terça-feira, 25 de setembro de 2012

MHS promove atividades dentro da 6ª Primavera dos Museus

Museu Histórico de Sergipe. Foto: Marcelly (ASCOM/SECULT)

O Museu Histórico de Sergipe (MHS), unidade da Secretaria de Estado da Cultura (Secult), integra a programação da 6ª Primavera dos Museus, uma ação coordenada pelo Instituto Brasileiro de Museus (Ibram/MinC). No próximo dia 28 de setembro o MHS irá promover duas atividades que irão chamar a atenção para o tema deste ano do evento: ‘A Função Social dos Museus’.

Às 16h do dia 28, ocorrerá a Roda de Leitura ‘Musa Museus – Jorge Amado’. Na ocasião serão lidos textos do autor baiano. “Iremos escolher trechos da obra de Jorge Amado que tenham relação com Sergipe. Poucos sabem, mas o autor faz várias referências ao nosso estado em suas obras”, explica o diretor do MHS, Thiago Fragata e estudioso da obras do escritor baiano.

Fragata conta que na próxima semana irá apresentar um trabalho de pesquisa baseado no livro ‘Capitães de Areia’ durante o Colóquio Internacional 100 anos de Jorge Amado, em Ilhéus. “Nesse trabalho eu faço uma ligação de Jorge Amado com o universo do Cangaço”, destaca. Ele acrescenta que continua em cartaz no MHS a exposição ‘Cangaço: por dentro do emborná e na ponta do punhá’, que traz elementos desse movimento tão presente em Sergipe.

Logo após a Roda de Leitura do dia 28, terá início a solenidade de criação da Associação Amigos do Museu Histórico de Sergipe (ACAMHS). A entidade irá reunir representantes de entidades culturais, artistas e pesquisadores com o objetivo de dinamizar a vida cultural da cidade de São Cristóvão e promover atividades educativas para movimentar o MHS, a exemplo das Rodas de Leitura.

“Essa é a primeira entidade com esse caráter que está sendo criada em Sergipe e o objetivo é também desburocratizar o museu e aproximar a sociedade da instituição. Esse é um passo muito importante para de fato cumprirmos a função social do museu”, explica o diretor do MHS.

PRIMAVERA DOS MUSEUS

Coordenada pelo Ibram, a Primavera dos Museus tem por objetivo chamar a atenção de museus e sociedade para o debate em torno de assuntos atuais por meio de exposições, seminários, oficinas, palestras, etc. A programação da 6ª edição do evento, que acontece entre os dias 24 e 30 de setembro, conta com 2.400 atividades que serão realizados em cerca de 800 museus espalhados por 364 municípios brasileiros.

‘A Função Social dos Museus’, tema deste ano da Primavera dos Museus, homenageia os 40 anos da Declaração da Mesa Redonda de Santiago do Chile, realizada em 1972.



sexta-feira, 21 de setembro de 2012

A FUNÇÃO SOCIAL DOS MUSEUS



Carlos Braz*


No período de 24 a 30 de setembro acontece em todas as unidades museais do Brasil, cadastradas no Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM), a VI Primavera dos Museus, evento cujo tema central será a função social desses espaços, presentes em quase todos os recantos do país. Foi-se o tempo em que os museus eram palácios iluminados para iluminados, restritos à elite detentora do poder e do conhecimento, distantes das comunidades em seu entorno, desatentos aos seus anseios e necessidades, guardião de objetos apenas úteis para contemplação de poucos. O movimento intitulado Nova Museologia, que teve início em meados da década de 70 do século passado, direcionou as casas de memória para um novo patamar, democratizando-as, e levando-as a atuar como ferramenta inclusiva de grupos desassistidos socialmente, com acervos potencializados como fonte de transmissão de conhecimento e evolução cultural. Quarenta anos passaram-se desde a realização da Mesa Redonda de Santiago do Chile, patrocinada pelo ICOM, Conselho Internacional de Museus, em Maio de 1972, que deliberou que o

museu é uma instituição a serviço da sociedade e seu desenvolvimento, da qual é parte integrante e que possui neles mesmos os elementos que lhe permitem participar na formação da consciência para o engajamento dessas comunidades na ação, situando suas atividades em um quadro histórico que permita esclarecer os problemas atuais, isto é, ligando o passado ao presente; engajando-se nas mudanças de estrutura em curso e provocando outras mudanças no interior de suas respectivas realidades nacionais”.

Uma lenta, porém visível revolução entrava em curso. Surgiram os museus globais, alterando o dia de áreas antes degradadas, verdadeiros espetáculos arquitetônicos onde exposições de arte, com uma nova dimensão, ganharam a mídia sendo notícia universal, ao tempo em que os espaços tradicionais de memória, com nova dinâmica e antenados aos novos tempos, contabilizavam um aumento expressivo no seu número de visitantes, e cursos técnicos e superiores de Museologia começaram a ser criados em países sul-americanos. 

Metas desafiadoras foram traçadas desde então, em face de uma conturbada cena político-social na América Latina, palco constante de liberdades individuais suprimidas e reivindicações de minorias. As sementes lançadas ao vento em terras chilenas, naturalmente, não germinaram a contento, com muito ainda a ser 
executado.

A diretriz N. 10 do I Encontro Ibero-americano de Museus, realizado em Junho de 2007 na cidade de Salvador-BA, ratificou a necessidade de

compreender o processo museológico como exercício de leitura do mundo que possibilita aos sujeitos sociais a capacidade de interpretar e transformar a realidade para a construção de uma cidadania democrática e cultural, propiciando a participação ativa da comunidade no desenho das políticas museais”.

Assim, compreendemos que em grande parte do continente latino americano o museu como espaço de convivência sócio cultural é um sonho ainda a ser realizado.

No Brasil, a cena museológica cristaliza-se nas páginas da publicação Museus em Números, publicada pelo Ministério da Cultura no ano de 2011, cujo diagnóstico permite entrever as disparidades existentes, onde as instituições do sudeste sobressaem-se em termos de gestão voltada para ações sociais.

No campo doméstico, Sergipe vive hoje um momento de expansão com o surgimento de novos espaços de cultura e memória. Em Aracaju, no ano de 2010 cria-se o Palácio Museu Olímpio Campos e em seguida o Museu da Gente Sergipana, repleto de atraentes tecnologias que contribuem positivamente para uma melhor compreensão, por parte da sociedade, da finalidade dos museus. No interior do estado nasce o Museu de Itabaiana, ao lado do Museu do Cangaço, no município de Frei Paulo, povoado Alagadiço iniciativas inéditas naquela região. Museu Histórico de Sergipe e o Museu de Arte Sacra, ambos em São Cristovão, e o Museu Afro Brasileiro de Sergipe, no município de Laranjeiras, funcionam plenamente há vários anos.

Em breve contaremos com o Museu da Policia Militar, em São Cristovão, e em Aracaju teremos o Museu do Mangue, a Casa de Cultura Jenner Augusto, e o espaço Zé Peixe, que, juntando-se a outros já existentes, completam um elenco considerável em número de instituições.

Dez museus do nosso Estado responderam ao questionário enviado para a formação do cadastro do IBRAM, um número sugestivo, levando-se em conta sermos o menor estado da federação. Destes, 60% afirmam que realizam ações educativas, sem dúvida um excelente percentual, que, todavia, não causa mudanças perceptíveis no meio social. Apenas um declarou possuir orçamento próprio e nenhum conta com a parceria de Associações de Amigos do Museu. 

Ao mesmo tempo, o mercado cultural/museal começa a receber os bacharéis em Museologia formados na Universidade Federal de Sergipe (UFS), profissionais competentes, ansiosos para mostrarem seus conhecimentos, aptos a participarem ativamente na construção da estrutura necessária para transformar nossos museus em entidades que efetivamente promovam significativas transformações sociais, através dos seus projetos.

A função social do museu em Sergipe ainda não é perceptível para muitos, dependendo de várias outras ações para sua efetivação. Uma análise objetiva deixa entrever que é imprescindível a presença de museólogos e equipes multidisciplinares a serviço das instituições, que apoiadas por políticas público-privadas, transformem os museus em espaços socialmente importantes, agentes de mudança social e desenvolvimento. A VI Primavera dos Museus torna-se, portanto, uma oportunidade impar para se refletir sobre o assunto.

* Carlos Braz é acadêmico do Curso de Museologia na Universidade Federal de Sergipe. Email: carlos_braz@globo.com


FONTES:
FORUM NACIONAL DE MUSEUS (2008). Museus como agentes de mudança social e desenvolvimento: relatório. Brasília: Minc/IBRAM, 2010.
IBRAM. Museu em Números 2011. Brasília, 2011. (Vol. 2)
NASCIMENTO JR, José do; CHAGAS, Mario de Souza (Orgs.) IBERMUSEUS 1 - Panoramas museológicos da Íbero América. 2ª. edição. Brasília, 2010.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

CURTA-SE 12 - SÃO CRISTÓVÃO



O Museu Histórico de Sergipe, unidade da Secult, sediará a mostra do CURTA-SE 12 em São Cristóvão, dia 21 de setembro, sexta, a partir das 16:00 horas. Confira a programação dos filmes selecionados:

Mostra Informativa de Curtas - Cine Meio Ambiente "O futuro que queremos"
A Vida no mangue. Direção: alunos EMEF Martim Lutero, 2010. Animação (ES)
Os sustentáveis. Direção: Lisandro Santos, 2012. Animação (RS)
Um sol de Jacaré. Direção: Rosa Berardo, 2011. Ficção (GO)
Desabrigados. Direção: Alexandre Costa, 2012. Animação (MG)
O Girassolzinho. Direção: Douglas Soares, 2012. Animação (RJ)
Hainá - Eco. Direção: Arnaldo Galvão, 2011. Animação (SP).
O Cangaceiro e o leão. Direção: Arnaldo Galvão, 2012. Animação (SP)
Hainá - O Filtro. Direção: Arnaldo Galvão, 2011. Animação (SP).
Rap Consciente - videoclipe. Direção: Alunos da EMEF Amnóphis de Assis. Animação (ES)
A Garça Graça. Direção: Alunos da EMEF Tânia Pôncio Leite. Animação (ES)

SABER MAIS!

sábado, 8 de setembro de 2012

LAMPIÃO: bandido, herói e outros adjetivos

Lampião, xilogravura de Nivaldo Oliveira compõe exposição do MHS

Thiago Fragata*



O cangaço influenciou boa parte dos movimentos sociais que pontificaram o Brasil no século XX. No século XXI o fato se renova, a insinuação da homossexualidade de Lampião constitui um bom exemplo porque atrelar qualquer tema ao cangaço ou buscar inspiração nele significa atrair público, a opinião pública.  

O fato é que ninguém consegue ficar alheio ao cangaço e seu maior representante, o afamado Virgulino Ferreira da Silva, apelidado Lampião. Já em 1937, Jorge Amado inseriu na sua obra Capitães da Areia uma importante observação: “porque a população dos cinco estados, de Bahia, Pernambuco, Alagoas, Paraíba e Sergipe, vive com os olhos fitos em Lampião. Com ódio e com amor, nunca com indiferença”. Acrescentaria Ceará e Rio Grande do Norte.

Nos dias atuais vemos estudiosos apaixonados pelo exemplo de resistência ao mandonismo dos coronéis e desenvoltura perante as adversidades do sertão nordestino. A saga lampiônica começou em 1918 e findou na Grota de Angicos, Poço Redondo, em 1938, somando 20 anos de ataques, fugas e revides. Invariavelmente, figuram adjetivos nas obras em geral que tematizam o cangaço, mesmo trabalhos acadêmicos com foros de imparcialidade, que desvelam um olhar engajado. Se no meio acadêmico o cangaço tem seus mais ardorosos simpatizantes, com raríssimas exceções, imagina no seio das populações que conviveram e tiveram experiência positivas ou negativas.

A discussão bandido ou herói dividiu e divide a sociedade. Folheando alguns livros recolhemos expressões curiosas e/ou adjetivos que representam opiniões. Vejamos repertório de Frederico Bezerra Maciel, legítimo representante dos defensores da missão divina e heroica de Virgulino Ferreira da Silva:

Rei do cangaço, Senhor absoluto do sertão, Sua Majestade Lampião, Imperador do Sertão, Rei do Norte, Governador Lampião, Hobin Hood do Nordeste, Interventor do Sertão, Sinhô Lampião, Gênio em tudo, Homem de palavra, Justiceiro, O mesmo [para Bahia] o que fora Padre Cicero para Juazeiro, Ídolo de todos, Invulnerável, Invencível, Eterno, Lampião era o povo, Símbolo das reivindicações sociais, O sertão ínterim, Libertador dos homens explorados do sertão imenso, Paterno e dócil na intimidade, napoleonicamente enérgico no comando, Maior guerrilheiro das Américas, Portador de uma luz de inteligência superior, penetrando até os domínios da cultura, dentre outros.

Por outro lado, minoria de estudiosos renitentes, ora estribado no argumento da legalidade, do Estado de direito, ora afetado pelas estripulias praticadas por Lampião e seus asseclas contra populações indefesas, enfileiram acusações e adjetivos contundentes contra o vilão. Para pesquisadores como Frederico Pernambucanos de Mello e Rodrigues de Carvalho a completa definição de Lampião inclui os termos:

 “Criminoso, truculento celerado, bandido sem ética, alienado mental, nocivo, rapace por cleptomania, sadicamente perverso, imoral currador dos infelizes sertanejos, taciturno caolho, refece profissional, tenebroso celerado, avarento, corruptor das famílias, anjinho de asa de morcego, carne de pescoço infernal, catingueiro e sagaz, soturno sicário, miserável refece, terrível sicário, ardiloso sicário semi-analfabeto, espírito de porco espinho, demônio de sagacidade e esperteza, facínora destituído de humanidade, lombrosiano”, dentre outros adjetivos.

No universo da literatura de cordel é recorrente o tema cangaço. Não é difícil encontrar os títulos referente a chegada de Lampião no céu, no inferno e mesmo ao purgatório. Declara Maria Ângela de Faria Grillo que nos cordéis “as representações sobre cangaceiros diferem das encontradas nos livros didáticos o na literatura oficial. Quase sempre tratados como bandidos nestes espaços, nos cordéis são, pelo menos, mais contraditórios”, ou seja, são assassinos mas são românticos, roubam mas ajudam os pobres, enfim, possuem carga heroica.


Lampião dos cordéis mantém traço heróico e contraditório
Numa rápida leitura de A chegada de Lampião no Céu (s/d), de Rodolfo Coelho Cavalcante; de A chegada de Lampião no inferno, de José Pacheco, e A Chegada de Lampião no purgatório (s/d), de Luiz Gonzaga de Lima (1981) captamos a impressão a respeito da polêmica bandido x herói. Lampião retratado por Rodolfo Coelho Cavalcante não merece entrar no céu por isso é mandado ao purgatório. Daí foi expulso por São Miguel, segundo verso de Luiz Gonzaga de Lima. No inferno não ficou, agora expulso por Lúcifer, desde então vaga pelos sertões feito alma penada a soprar estórias e inspirando arte popular nordestina, tudo para não deixar o Brasil esquecer o cangaço.

 
Lampião é o herói-bandido dos cordéis

*Thiago Fragata – pesquisador, especialista em História Cultural pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe (IHGSE) e diretor do Museu Histórico de Sergipe (MHS/SECULT). Matéria especial para o blog do Museu Histórico de Sergipe e sua exposição “Cangaço: por dentro do emborná e na ponta do punhá” (22 de agosto a 22 de setembro de 2012).E-mail: thiagofragata@gmail.com

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
AMADO, Jorge. Capitães da Areia. 86ª Ed. Rio de Janeiro: Record, 1996.
CARVALHO, Rodrigues de. Lampião e a sociologia do cangaço. Rio de Janeiro: Gráfica Editora do Livro, 1976.
CAVALCANTE, Rodolfo Coelho. A chegada de Lampião no céu. São Paulo: Editora Luzeiro, SD. (Literatura de cordel)
GRILLO, Maria Ângela de Faria. História em verso e reverso. Revista de História da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro, ano 2, N. 13, out. 2006, p. 82-85.
LIMA, Luiz Gonzaga de. A chegada de Lampião no purgatório. São Paulo: Editora Luzeiro, 1981 (Literatura de cordel)
MACIEL, Frederico Bezerra. Lampião, seu tempo e seu reinado. 2ª edição. Ed. Vozes. Petrópolis, 1982.
MELLO, Frederico Pernambucano. Guerreiros do Sol: Violência e Banditismo no Nordeste Brasileiro. Recife: Massangana/Girafa, 2004
PACHECO, José. A chegada de Lampião no inferno.  São Paulo: Editora Luzeiro, SD. (Literatura de cordel)

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

O cangaço em Sergipe

Maria Bonita e Lampião, escultura de Felix Santos, compõe exposição no MHS.

 Carlos Brás*


O pequenino Sergipe, entre todos os estados pelos quais o flagelo do cangaço deixou suas marcas, tem lugar de destaque. Entramos definitivamente para a história do banditismo nacional, de forma excepcional e definitiva, no dia 28 de Julho de 1938, quando na gruta de Angicos, localizada no município de Poço Redondo, o tenente alagoano João Bezerra e sua volante, liquidou Virgulino Ferreira da Silva, o afamado Lampião, e parte de seus seguidores, interrompendo um reinado de quase 20 anos.

O fenômeno social cangaço teve como pano de fundo o sofrido sertão nordestino com sua temível caatinga, ambiente inóspito, pouco povoado, onde só os fortes sobrevivem. O Raso da Catarina, em território baiano, sintetiza toda a insalubridade e aridez dessa região do Brasil. Tempos medonhos aqueles, onde a presença do estado quase não se fazia notar com o domínio socioeconômico exercido por poderosos coronéis, proprietários de imensos latifúndios, soberanos da terra e da gente, da vida e da morte. A miséria e os constantes conflitos políticos e familiares estão entre os motivos que originaram a escalada da violência, justificando a formação de grupos armados particulares, onde ferozes jagunços garantiam a segurança dos seus patrões.

Lampião nasceu há muitos anos, em todos os estados do nordeste”, conforme cita Graciliano Ramos no seu livro Viventes das Alagoas (1962). Ser cangaceiro era o grito de revolta dos que não aceitavam a opressão e injustiça. Desse cotidiano participaram outros personagens que muitas vezes faziam jogo duplo, a depender de interesses pessoais. Volantes, grupos formados por soldados (chamados de macacos pelos cangaceiros) e cachimbos (civis contratados pelo estado), que praticavam todo o tipo de violação contra a população dos povoados e grotões, sendo tão temidos quanto os bandoleiros. Coiteiros (moradores da zona de conflito, que forçados ou não, auxiliavam os bandidos com suprimentos e esconderijo) enfim uma rede de omissão, medo e cumplicidade que permitiu a longa duração do reinado lampiônico.

Mesmo passadas tantas décadas dos combates encarniçados e da morte do seu líder maior, este triste enredo ainda desperta paixões. O cangaço é uma epopeia repleta de contradições com relação a comportamento, datas e acontecimentos. A mitificação do general da caatinga é responsável pela aura que o cerca, imagem de herói e bandido, que povoa o imaginário popular, promovendo debates, movimentando um circulo gerador de divisas através de manifestações artísticas e culturais, teses acadêmicas, artigos e investigações sociológicas.

Essa condição permite afirmar que o rei do cangaço teve, na realidade, três vidas distintas: 1) o homem comum, vaqueiro, almocreve e coureiro; 2) O facínora amado e odiado; 3) o personagem imorredouro, eternizado em cordéis, filmes, literatura, história em quadrinhos, telenovelas, artes plásticas e folguedos populares.

Xilogravura de Nivaldo Oliveira compõe exposição do MHS
Em solo sergipano, os grupos de famigerados com seu chefe à frente, adentram pela primeira vez no dia 26 de fevereiro de 1929. A cidade de Carira foi escolhida para a indesejável visita dos fugitivos das volantes baianas. Dessa empreitada, conforme alguns relatos participaram apenas sete feras sedentas de tudo, o que já era suficiente para aterrorizar qualquer povoação, e ali se utilizou mais uma vez a tática do bom visitante, amigo, cordial e respeitoso, que não pretendia cometer atos violentos, pagando por tudo que precisava, e promovendo festas.

As estripulias em nossas terras gradativamente tornaram-se rotineiras. O rastro do mal logo se fez notar, trazendo ao pacato sergipano a dor da humilhação, as lágrimas pelos entes queridos ultrajados em sua honra ou mortos, as chantagens e extorsões. Como sempre acontecia, uma rede de colaboradores logo foi arquitetada, garantindo uma relativa segurança à cabroeira. Curiosamente, conforme relatos, o estado de Sergipe foi o que mais contribuiu com elementos para os grupos de meliantes, através do município de Poço Redondo.

No livro A misteriosa vida de Lampião, de autoria do cearense Cincinato Ferreira Neto, à página 158, encontra-se alusão ao nome de Eronildes de Carvalho, futuro interventor de Sergipe, e seu pai, Sr. Antônio Caixeiro, como um dos maiores protetores de Virgulino em nossas terras, fato este que é contestado enfaticamente pelos familiares dos citados.

Nossa Senhora da Glória, Pinhão, Frei Paulo, Alagadiço, Gararú, Aquidabã, Saco da Ribeira (Ribeirópolis), Monte Alegre, Canindé e Capela, onde a célebre chegada do malfazejo é contada até hoje, foram cidades testemunhas da aventura cangaceira. E muitos ainda recordam desse tempo sinistro. O nome de Zé Baiano, com seu ferro em brasa, que deixou marcas indeléveis no corpo de algumas mulheres ainda causa repulsa na imagem evocada.

Lampião foi senhor absoluto do seu tempo. Enquanto uns o consideravam um facínora impiedoso e sanguinário, capaz das piores atrocidades, outros lhe atribuíam qualidades, tais como, caridoso, sábio, bondoso, justo, educado, refinado, artista etc. Porém, historiadores e pesquisadores respeitados pela seriedade de seus trabalhos, são unanimes quando reconhecem no capitão a astúcia de um guerrilheiro, o tino estratégico e inteligência de um militar experimentado. Implacável quando se tratava de vingança e autoafirmação. Benevolente quando precisava de proteção, exercia liderança absoluta sobre seus comandados, o que lhe permitiu sobreviver, lutando sempre em desvantagem, sendo vencido apenas pela traição.

A derrota, mais cedo ou mais tarde haveria de chegar, e em Angicos se escreveu a última página dessa dolorosa saga brasileira. Dali escaparam alguns, que ajudaram a perpetuar a lenda. Corisco, alcunhado de “Diabo Louro”, ausente no combate final, responsabilizou-se pelo funesto epílogo, promovendo como vingança mais mortes brutais pela região. Consta que a morte de Lampião em 28 de julho de 1938 não significou o fim do cangaço, a esperança de sua continuidade findou-se com Corisco no dia 25 de maio de 1940.


Corisco, o Diabo Louro em forma de cangaceiro


*Carlos Brás é pesquisador e acadêmico de Museologia da Universidade Federal de Sergipe, estagiário do Museu Histórico de Sergipe/SECULT. E-mail: carlos_braz@globo.com


BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
MACIEL, Frederico Bezerra. Lampião, seu tempo e seu reinado. 2ª edição. Ed. Vozes. Petrópolis, 1982. (volumes IV e VI)
FERREIRA NETO, Cincinato. A misteriosa vida de Lampião. Fortaleza: Premius, 2008.
RAMOS, Graciliano. Viventes das Alagoas. 8ª edição. Rio de Janeiro: Record, 1962.


Cartaz da exposição do MHS